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quinta-feira, 29 de maio de 2008

ESPELHO MEU

ALAIN DE BOTTON -



ESPELHO MEU
Para Alain de Botton, a arquitetura ajuda a definir quem somos
texto Priscilla Santos fotos Charlotte de Botton

Uma casa ampla, translúcida.

As paredes de vidro convidam a luz a invadir os cômodos, cortados por concreto. E integram o dentro e o fora. Foi nesse ambiente que cresceu o escritor e filósofo suíço Alain de Botton. Talvez os traços retos e permeados de contemporaneidade de sua primeira morada sejam os pilares para suas atuais idéias sobre o habitar. Parte da função de qualquer construção é refletir sua época e sua localização, afirma. Radicado na Inglaterra, o escritor está entre os maiores responsáveis por levar o debate filosófico para as ruas. Alain de Botton já enveredou por temas como amor, filosofia e turismo em seus ensaios. E centra sua reflexão sobre a arquitetura em torno do quanto ela pode representar nossas aspirações e nos ajudar a desenvolver ao máximo nosso potencial humano. É sobre isso que o autor fala nesta entrevista. O tema também é discutido no DVD Arquitetura da Felicidade, escrito e apresentando por ele, um lançamento que VIDA SIMPLES traz para você este mês, já nas bancas.

Qual é a relação entre arquitetura e felicidade?
A beleza tem grande influência no nosso humor. Quando falamos que uma cadeira ou uma casa é bonita, o que realmente estamos dizendo é que gostamos do modo de vida que ela nos sugere. Aquele objeto tem um jeito que nos atrai: se, em um passe de mágica, ele se transformasse em uma pessoa, gostaríamos dela. Mas a beleza não necessariamente nos faz sempre felizes todos nós sabemos quando nossos problemas são grandes demais para serem resolvidos por uma pintura ou uma vista agradável. Porém, belos cenários são lembretes de momentos de satisfação e bem-estar. Eles se tornam importantes exatamente porque não estamos sempre felizes. Alguém que estivesse sempre feliz encontraria muito pouco valor numa arquitetura bonita.

O lugar onde estamos pode afetar nosso humor?
Seria conveniente se pudéssemos manter o mesmo humor independentemente de estar em um hotel barato ou em um palácio. Mas, infelizmente, somos altamente vulneráveis às mensagens que emanam das coisas que nos cercam. É claro que, por si só, a arquitetura não pode nos transformar em pessoas sempre contentes. Tome como exemplo as insatisfações que podem surgir mesmo nos lugares mais idílicos. Poderíamos dizer que a arquitetura nos sugere um estado de espírito, mas podemos estar tão confusos internamente que não conseguimos captá-lo. Poderíamos fazer uma comparação com o clima: um belo dia pode mudar substancialmente nosso estado de espírito. Mas, com o peso de problemas amorosos ou profissionais, por exemplo, não há céu azul nem construção, por melhor que seja, que nos faça sorrir.
Daí a dificuldade de tentar elevar a arquitetura a uma prioridade política: ela não tem nenhuma das indubitáveis vantagens da água potável ou do suprimento de alimentos. Ainda assim, continua sendo vital.

Beleza é uma promessa de felicidade?
Certa vez, o crítico de arte britânico John Ruskin observou que toda boa construção deve promover duas coisas: abrigar-nos e falar conosco. Falar das coisas que julgamos ser importantes e de que precisamos ser lembrados com freqüência. Em essência, as construções nos falam sobre o modo de vida mais apropriado para ser desenvolvido dentro e ao redor delas. Falam sobre certos estados de espírito que elas procuram encorajar e sustentar em seus habitantes. Enquanto nos mantêm aquecidos e nos auxiliam com sua funcionalidade, simultaneamente, as construções nos convidam a ser um tipo específico de pessoa. Elas falam de visões particulares de felicidade. Essa noção coloca no centro dos dilemas arquitetônicos a questão dos valores com que queremos viver e não apenas que cara desejamos que as coisas tenham.

Por que é comum os casais brigarem por causa de sofás?
Um determinado sofá pode sugerir todo um estilo de vida, uma atitude diante da existência. Essas discussões, comuns nas lojas de móveis, partem, na verdade, de um conflito sobre o que é significativo e realmente vale a pena. De um sofá geométrico de design italiano, um homem diria: Amei esse sofá. Na verdade, o que o atrai é a ordem, a lógica e a racionalidade que a peça sugere. Enquanto isso, sua esposa reclamaria dessa mesma peça porque ela adoraria infundir em seu casamento as virtudes da calma, da doçura e do romantismo que ela detecta numa chaise-longue estilo século 18. Por isso, as brigas nas lojas de móveis são inteiramente lógicas: algumas realmente colocam as coisas em jogo. Não deveríamos nos sentir constrangidos de desistir de uma pessoa por causa de seu gosto para sofás ou para canecas de cerveja.

Como uma casa pode integrar nosso mundo interior com o exterior?
O gosto das pessoas nos diz muito sobre o que falta na vida delas. Aqueles que decoram suas casas com bonecas ou ursos de pelúcia freqüentemente estão escapando de algo muito duro e cruel em suas vidas, enquanto aqueles cujas casas são brancas e completamente vazias estão usando a decoração para afastar sentimentos de caos e desordem. Então, por que tanta gente ama coisas passadistas? Estamos saudosos de um passado rural justamente porque estamos muito longe de ter uma vida rústica. Queremos nos afastar daquilo que pensamos que já temos demais: concreto, tecnologia. Muitas pessoas odeiam a arquitetura modernista exatamente por acreditar que ela não ajuda a contrabalançar sua psique, por ela oferecer mais daquilo que já se tem em excesso. Ainda assim, eu defendo a idéia de que parte da função de uma construção é refletir os valores e características de seu tempo e sua localização. Uma construção que ignora seu contexto cultural tem o mesmo problema de qualidade que uma casa nos trópicos, ou perto de montanhas, que tem janelas que não abrem.

Como seria a casa perfeita?
A casa é um lugar que dá suporte a quem você gostaria de ser idealmente: ela ajuda você a se manter em suas condições mais favoráveis e vantajosas. Ela lhe traz calma, se você é uma pessoa inclinada a entrar em pânico. Ela o remete à tranqüilidade da natureza, quando sua vida parece tomada pela rotina inflexível do mundo concreto. Ela lhe devolve a elegância que a vivência urbana diária o fez perder. Em outras palavras, a casa é um lugar de abrigo, não meramente físico, mas, ainda mais importante, psicológico.

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