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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

QUANDO É PRECISO PARAR




QUANDO É PRECISO PARAR
Tal como os intervalos entre as notas permitem que a música aconteça, assim também o nosso cotidiano necessita de pausas para nos fazer avançar no rumo certo. Descobrir sua forma de parar com arte pode ser um processo prazeroso e revelador do seu propósito de vida.
A cultura da globalização reforça crença de que “a pressa é a inimiga dos nossos negócios” sob o fascínio das avançadas tecnologias da informática. Afinal, em nenhuma outra época a humanidade viveu tamanha revolução na sua percepção de tempo-espaço, e quem não se atualizar decerto comerá poeira.
O ritmo acelerado que acompanha tudo isso parece dizer que a nossa maneira de viver nunca mais será a mesma. Como se o futuro da era digital fosse nos transformar numa metáfora dos computadores, já que rapidez e eficiência são requisitos indispensáveis no violento jogo da concorrência sem limites.
A agonia da luta para fazer o máximo de coisas no mesmo prazo de tempo (felizmente, o dia ainda tem 24 horas) consome muita gente, pois o frenesi da vida em alta rotatividade é uma estranha qualidade da nossa época, que tem na ação por impulso um dos seus traços marcantes. O problema é que, de tão acostumadas a correr, as pessoas acabam sem saber o verdadeiro sentido do que buscam.
“Não, não posso parar, se eu paro eu penso, eu penso, eu choro...”, dizia um poema da minha adolescência, talvez como resposta à resistência em descobrir esse motivo essencial. E assim a velocidade contribui para o esquecimento de quem somos, encurtando os horizontes da existência, alienando seres no meio da massa de anônimos sem rumo.
A cultura da eficiência “nega o ócio”, - pelo negócio - veementemente. A idéia de alguém desocupado, contemplativo, quando tudo à sua volta anda acelerado, sugere transgressão à ordem, atrai desprezo e intolerância daqueles que sempre dão duro para se manter, a custa do estresse, do esgotamento, da eterna falta de tempo para relaxar e cuidar mais de si próprio, para, enfim, simplesmente ser.
Com base na sua experiência de conselheiro, e principalmente no seu processo pessoal, o terapeuta norte-americano David Kundtz escreveu A Essencial Arte de Parar (editora Sextante, 1999, Rio de Janeiro), que propõe um método tão inédito quanto simples para realizar a paz, o encontro consigo mesmo. David é um ex-sacerdote da Igreja católica que ousou fazer uma mudança radical de vida, e hoje ministra workshops sobre o seu método e atende como terapeuta familiar.
Sua técnica é simples, porém requer disposição para manter-se desperto e cultivar o hábito de recordar. Uma pessoa desperta é alguém consciente de quem é, atenta ao que acontece dentro e fora de si própria e ao momento presente. Recordar é lembrar as perguntas e as coisas importantes à nossa vida e as respostas que hoje temos para elas. Exemplo: saber a razão do seu envolvimento numa determinada atividade e o que ela representa na sua evolução, conhecer suas metas e os caminhos para alcançá-las.
Antes de mais nada, David enfatiza que não se deve confundir parar com ficar inativo, fugindo da vida e das suas responsabilidades. Pelo contrário, trata-se de entrar na vida e nas suas responsabilidades de maneira inteiramente nova, de passar um tempo ali onde estão os seus significados e valores.
Parar também não é desacelerar. É criar espaços aparentemente vazios, nos quais se pode aprender coisas importantes ou tomar decisões e fazer escolhas transformadores. Para ser positiva, essa parada não deve causar expectativa alguma, nem ser encarada como um processo com resultados mensuráveis. Acostume-se, portanto, a não avaliá-la pelo enfoque do certo ou errado.
“Você não está em um ensaio geral da sua vida real, que vai acontecer daqui a algum tempo, quando você estiver mais preparado. Você não está esperando que alguma coisa aconteça. Está no meio dela”, completa o autor, orientando-nos para a atitude conveniente.
No geral, as pessoas passam o dia superatarefadas e dispersas, levadas de roldão pelas exigências do cotidiano. Portanto, antes de pôr em prática a arte de parar, considere que a percepção e a contemplação são indispensáveis a essas pausas.
David Kundtz define três níveis de paradas: pausas breves, escalas de viagem e paradas gerais. Vejamos de que maneira cada uma delas se desenvolve e se aplica.
As pausas breves são essencialmente curtas e alicerçam todo o processo de parar. Têm a vantagem de ser tão comuns quanto benéficas e de se adaptarem naturalmente ao dia-a-dia. Você poderá experimentá-la enquanto espera a saída do fax, no elevador, aguardando o farol abrir, quando chega ao escritório, na fila do caixa, no banheiro... Sentado ou de pé, você iniciará essa pausa rápida respirando fundo, com os olhos abertos ou não, locando sua atenção interiormente e recordando o que for preciso. Pare - respire - recorde. Recordar é resgatar a lembrança de algo em que você crê ou um fato motivador. Se preferir, recorde uma prece inspiradora de força ou paz, ou uma mensagem adequada ao momento, do tipo “sou capaz de executar satisfatoriamente esta tarefa”, “tenho equilíbrio e nenhuma perturbação vai mudar isso”. Você também pode, prestando atenção à sua respiração, lembrar a imagem de alguém importante (seus pais, seus filhos, o cônjuge, a namorada, os amigos), sentir seus efeitos positivos e sorrir placidamente.
Existem Inúmeros momentos e formas para as pausas breves, tal como para intensificar o poder que elas nos conferem. Exemplo: alguns segundos olhando para o céu, tendo em mente o pensamento de “como é bom lembrar a presença de Deus na natureza e na minha vida”, é algo que produz maravilhosas transformações no estado da alma.
As escalas de viagem são paradas mais longas, duram de uma hora a vários dias, de uma tarde a um dia ou fim de semana. São denominadas pelo autor de “miniférias para o espírito” e abrangem grande variedade de experiências. Por isso é aconselhável programá-las carinhosamente, começando por um final de semana. As escalas de viagem são valiosas experiências que todos nós devemos aprender a desfrutar. Contudo, elas pedem uma forte motivação para serem realizadas.
Isso não quer dizer que você será submetido a um programa rígido, cheio de etapas a serem cumpridas no tempo estipulado. Não é por aí. Nem pense que o tão desejado período de férias do trabalho seja um modelo de parada. Muitas vezes, as férias transcorrem de tal forma que não favorecem a criação do espaço de tempo, externo e interno, a que estamos nos referindo aqui.
Entre os casos reais de escalas de viagem que ilustram o livro de David estão um retiro de fim de semana, uma viagem de três dias de ônibus, o simples ato de ficar em casa e o devaneio noturno de uma enfermeira estressada. O autor nos sugere lembrar dos objetivos dessa forma de parar como um estímulo à nossa motivação: “Despertar para o que está acontecendo com a sua vida, manter as coisas mais importantes em primeiro lugar, recordar quem você é e quem deseja tornar-se, e recordar seus principais valores.” E nos aconselha a pensar na escala de viagem “como uma expressão de amor e carinho consigo mesmo”.
Já as paradas gerais costumam acontecer nas épocas de transição na vida das pessoas, quando é preciso tomar uma decisão muito significativa, e geralmente funcionam como um divisor de águas. Duram de uma semana a um mês, sendo sempre um período de tempo mais extenso. A propósito, foi numa parada geral que David decidiu abandonar o sacerdócio católico, sob o peso da sensação de estar decepcionando muita gente: “Não posso dizer que minha transição tenha se dado sem problemas, arrependimento ou dor. (...) Posso também dizer que em todos os estágios dessa transição tive a impressão de estar, mesmo que em grau mínimo, consciente dos elementos em jogo. E foi uma decisão feliz, graças ao processo de parar.”
A parada geral pode ocorrer poucas vezes em toda uma vida, ou talvez nem chegue a ser necessária para todo mundo. Porém, ela não é menos benéfica do que as demais opções de parar. Cada pessoa é que deve perceber se está ou não num momento de cessar tudo, quem sabe para facilitar a manifestação de uma idéia ou força ainda desconhecida.
Você já notou como certos insights irrompem de ocasiões puramente espontâneas? Tomando banho, andando de bicicleta ou admirando o mar, por exemplo, dependendo do seu grau de receptividade, você está sujeito a receber informações preciosissimas. Pois a maior parte da auto-investigação proporcionada pela parada é de natureza inconsciente e automática. Sem descartar, é claro, a função do lado consciente e deliberado dessa busca.
Ainda que tal processo acorde questões dolorosas e difíceis, mantenha-se confiante de que a sua parada irá colocá-lo em contato com a sua verdade, com um potencial exclusivamente seu. Que lhe dará uma visão clara dos valores e significados da sua vida, abastecendo-o de força para livrar-se das suas limitações e ir ao encontro daquele “algo mais” que confere nova dimensão à sua existência.
Evidentemente, o autor de A Essencial Arte de Parar está tratando de um processo espiritual, uma vez que é a espiritualidade que forma os significados e valores determinantes das nossas ações, do rumo que damos à nossa vida. “Com o processo de parar quero levar você a tomar posse dos seus desejos mais profundos”, ele nos confessa, porque acredita que todo desejo profundo e ardente também é “um anseio por integração e unidade com o mundo e, em última análise, com Deus ou o que quer que você considere como sendo a realidade divina”.
David relaciona sete beneficies básicos dessa arte, que são: concentrar a atenção, conseguir um verdadeiro relaxamento, usufruir a solidão, abertura para o que é e como é, estabelecer limites fortes e flexíveis, abraçar a própria sombra e, por fim, identificar e viver o seu propósito.
Quem não consegue ter atenção vive distraído e com dificuldades para recordar, confunde o valor das coisas e não está consciente dos seus objetivos. Existe mecanicamente e acaba sendo manipulado. Por isso a importância de estar desperto. A atenção nos ajuda a perceber o que existe em nosso mundo interior, aquilo que de fato tem importância e o que nos atrai; é ela que nos faz identificar quais são as nossas maravilhas, o que constrói uma autêntica relação de amor e o que possui valor para nós.
Saber relaxar é outra condição essencial. A modernidade acostuma as pessoas, desde a infância, a conviver com o estresse e a tensão. Crianças com agenda repleta de atividades, algo apontado por vários psicólogos, parecem ser preparadas pelos pais para ingressar, o quanto antes, na louca corrida do mundo adulto para o sucesso. Então, habitue-se a respirar fundo, a desfrutar do silêncio, a acalmar o tropel dos pensamentos e a sintonizar a realidade do seu espírito. Observe as áreas de tensão do seu corpo, respire pausadamente (enchendo completamente seus pulmões) e mande, pelo pensamento, a energia relaxante para tais regiões. Respirar e recordar também são alternativas naturais para relaxar.
De acordo com o psicólogo Anthony Storr, “a solidão é uma necessidade humana básica". Até porque parar é um ato absolutamente individual. Livre-se dos preconceitos contra a solidão se você quiser conhecer a arte de parar, de curtir ficar apenas na sua companhia nas situações em que "dois é demais".
Estar aberto é ter a humildade de ser um constante aprendiz das lições da vida, para você poder examinar o que lhe aconteceu por conseqüência da sua ação. David ressalta o desenvolvimento da capacidade de fazer inventário de si mesmo para aumentar a autopercepção nas paradas, com perguntas como: "O que é que eu estou sentindo agora? O que é que está acontecendo aqui? "A abertura dá primazia à escuta, ao receber, ao deixar-se cuidar, ao silêncio, à observação, à percepção e ao aprender.
Alguém que possui limites emocionais fortes, porém flexíveis, está capacitado a viver sem problemas em comunidade. Trata-se de uma pessoa consciente da fronteira a que ela pode chegar, pois dali em diante começa a realidade do outro; ela sabe separar o que é emocionalmente seu e o que não é, consegue colocar as pessoas da sua vida nos lugares que ela quer que estejam, sem se deixar invadir. E ótimo preocupar-se com os outros, ser solidário e ter compaixão, mas isso não precisa levar à perda dos próprios limites.
Ao parar, inevitavelmente faremos contato com uma parte de nós muito incompreendida: a sombra, que a psicologia traduz como a face negativa, trevosa da personalidade. David explica que "abraçar a sombra é reconhecer que nada é só branco ou preto, mas um pouco de cada", e que só quando conseguimos reconhecer que o bem e o mal habitam nossos corações é que fazemos a transição da infância para a maturidade, da correria e da fuga para a paz e a justiça. Parar facilita revelar e curar a sombra, que quer ser integrada e não rejeitada.
As escalas de viagem e as paradas gerais são perfeitas àqueles que buscam descobrir seu propósito maior, seu chamado interior que o conduzirá mais além, levando-o a vislumbrar um poder transcendente. Pois ter um propósito é saber da existência de algo situado muito além de nós, do nosso egocentrismo. “Ter um propósito é reconhecer que você está destinado a ser algo que só você pode ser", resume o autor, para afirmar que o nosso desejo é justamente saber agir na direção da descoberta desse papel que é exclusivo de cada ser humano. Manter um propósito encoraja a pessoa a escutar a mensagem que o universo lhe reserva e traz equilíbrio à sua condição humana. É uma chave que pode lhe abrir as portas da consciência da sua vocação.
Diante de todas as coisas envolvidas no salto quântico de consciência proporcionado pelas paradas, e principalmente do potencial oculto que ela promete revelar, é bom prevenir-se contra alguns bloqueios que certamente vão surgir. Um deles é o medo, que, aliás, cerceia tantas oportunidades oferecidas pela existência. Mas o autor nos garante que há meios seguros e eficazes para encarar os nossos medos e retirar o seu possível domínio sobre nós. Ele ensina uma técnica composta de três processos: observar, identificar e contar.
Ao surgir o medo, procure observálo com isenção, como se fosse outra pessoa e ele não fosse um sentimento seu. Tente zerar a mente intelectiva para se envolver o mínimo possível com essa sensação, sem reprimi-Ia. Identificar o medo é permanecer receptivo à sua presença, à sua informação, apenas percebendo e registrando o que ele significa para você. Exemplo: "Estou com medo de descobrir aspectos indesejáveis de mim mesmo; será que não saberei lidar com eles?" Também ajuda nomear, personificar esses sentimentos para interagir com eles. Assim: "Pois bem, Medo de Errar, você chegou de novo, né? Quer roubar minha paz e atrapalhar o que devo fazer!" O ato de observar e nomear desvitaliza esses sentimentos indesejáveis.
O passo seguinte é contar, compartilhar o seu medo com alguém amigo, que lhe deixe à vontade para abrir o seu coração. Quanto mais você travar contato com a presença dos seus sentimentos incômodos, menor será a força deles para lhe causar sofrimento.
Utilize a fórmula observar e identificar, sem julgar, para todas as experiências que surgirem durante o seu processo de parar. A tagarelice da mente está atrapalhando? Utilize estas perguntas: "Sua tagarelice tem a forma de palavras e frases? Tem a voz de alguém que você conhece? Talvez seu pai ou sua mãe, o patrão ou um amigo? Acontece mais em certas ocasiões do que em outras? Sua tagarelice se parece mais com imagens ou cenas de cinema que ficam correndo pela cabeça? Qual é o conteúdo da sua tagarelice? Trabalho, família, passado, futuro, relacionamentos ou trivialidades?"
Uma boa opção para ir incorporando naturalmente o ato de parar à sua vida é seguir pela trilha do que David Kundtz chama de "seu bosque de parada". É uma forma de ajudá-lo a descobrir a sua maneira particular de parar, que tornará o processo mais fácil e prazeroso. Comece selecionando as coisas que chamam a sua atenção ou que lhe dão prazer. Exemplos: as leituras de sua preferência, as correspondências que fazem pausas criativas no seu cotidiano, as coisas belas que fazem seus olhos brilharem, os sons e os perfumes, os objetos sacramentais que simbolizam algo de valor ou que tenham significado espiritual (como talismãs e amuletos), espaços e lugares convidativos para fazer uma pausa ou os animais de estimação, entre outros. Tais elementos serão de grande utilidade para você ir fazendo contato com a arte de parar.
Como se vê, o processo é bastante flexível e econômico em termos de regras. Mas pode nos preparar para o início da grande transformação que, na maioria das vezes não se realiza numa única existência
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Por Romeo Graciano

Fonte: Revista Planeta, Edição 330 – Ano 28 – nº 3

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